terça-feira, 26 de maio de 2009

Jairzão Completa 70

Sorriso largo, simpatia e boas histórias na ponta da língua, daquelas capazes de prender a atenção do interlocutor mais ranzinza. Em fase de comemoração dos 70 anos - e cinco décadas de trajetória profissional -, o cantor Jair Rodrigues preserva o jeito irreverente que cativou a plateia do 2º Festival da Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, em 1966.
Naquele ano, o músico encantou o público com a interpretação de Disparada, lírica composição de Theo de Barros e Geraldo Vandré que dividiu o primeiro lugar com A Banda, de Chico Buarque.
"Quando soube que tinha havido empate com o Chico, foi um auê total. Levantei ele e botei no colo. Era um grande festival de irmandade. Não tinha ciúmes ou bronca do outro", relembra o intérprete.
Apesar da amizade e das afinidades musicais, a separação ideológica na classe artística era evidente nos anos de chumbo do regime militar. Nascido em família pobre de Igarapava, interior do Estado, filho de empregada doméstica e boiadeiro (que não conheceu), Jair não queria saber de manifestos, passeatas, acaloradas discussões sobre a ditadura e outros temas importantes naquele período de polarização.
Para ele, bastava divertir multidões com seu notável alcance vocal e inquestionável talento sob os holofotes, que já demonstrava nos primeiros shows como crooner em boates paulistanas. "O clima para o lado do Chico, Vandré, Gil, Caetano e outros não era bom. Mas não mexeram comigo e eu não mexi com eles (os militares). Sempre cuidei da minha carreira e tive conselhos de empresários e amigos: ‘Olha, não se meta nisso que você pode se prejudicar''''. Graças a Deus, fui o único artista daquela época que pôde gravar as músicas proibidas". Em 1964, o cantor já desfrutava de popularidade em todo o País, embalado pelo hit Deixa Isso pra Lá, faixa do álbum Vou de Samba com Você. A canção, que já ganhou versões em inglês, francês, espanhol, e até japonês, é considerada o primeiro rap da história, devido ao canto falado e ao inconfundível gestual criado por Jair.
No ano seguinte, ele estreou na Record o programa O Fino da Bossa, ao lado da "irmã" Elis Regina. "Todas as vezes em que nos encontrávamos era só alegria. A gente contava aquelas piadas escabrosas, incontáveis", recorda.
Perto dele, a Pimentinha, conhecida pelo temperamento explosivo, jamais deu piti. "Nunca flagrei a Elis sendo malcriada ou respondendo mal a alguém. Só tenho coisas boas para contar dela. Teve um dia que ela falou: ‘Negão, você é um irmão que eu não tenho''''. Nossa relação era assim".
Apelidos como Negão e Crioulo não incomodam o ídolo septuagenário. "Não sofri preconceito e sempre fui bem recebido, mesmo nos tempos das vacas magras. O racismo continua, mas é velado. Acho que é mais social: se você é negro e cheio de grana, é bem tratado".

FAMÍLIA E TRABALHO - Jair fala com carinho da mulher, a empresária Claudine, com quem está casado há quase 40 anos. Ela assina a direção geral do recém-lançado CD ao vivo, Festa para um Rei Negro (Universal, R$ 24 em média). Até quando elogia, ele faz piada.
"Eu apenas canto e quem cuida de tudo é a Claudine. Dizem que por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Eu digo que ela está ao lado porque atrás de mim não tem nada, véio", comenta, aos risos.
O intérprete demonstra o mesmo orgulho dos filhos, os cantores Jair Oliveira e Luciana Mello, presentes no disco em homenagem ao pai. A bolachinha, que ganhou registro em DVD (Universal, R$ 40 em média), atesta a capacidade de aglutinar amigos e a versatilidade de Jairzão, que começou seguindo a cadência bonita dos bambas, abriu intuitivamente o caminho para os rappers e flertou com o sertanejo (vide a dobradinha com Chitãozinho & Xororó, em Majestade o Sabiá).
Não faltam arranjos empolgantes como o de Coisinha do Pai, que conta com Jorge Aragão, Não Deixe o Samba Morrer (com Alcione) e Deixa Isso pra Lá (em que Rappin Hood, Max de Castro, Simoninha e Rodrigo Ramos dividem os microfones).

Nando Reis canta para 'Dri'

Após três anos sem lançar disco de inéditas, o cantor e compositor Nando Reis retorna aos holofotes com o CD "Drês" (Universal, R$ 35, em média). Embalado pela paixão por "uma Adriana", homenageada com o trocadilho no título do álbum - que também pode ser a abreviatura de "drogas, rock ‘n'' roll e sexo" - , o músico volta inspirado e confessional.
No quesito instrumental, a bolachinha, coproduzida por Nando e o guitarrista Carlos Pontual, evidencia o amadurecimento da banda "Os Infernais". Afiado, o grupo conferiu pegada mais roqueira e coesa, em relação aos trabalhos anteriores do artista.
"Já gravei muitos discos ao vivo. Mas gosto de estúdios e de trabalhar com banda. O Pontual ajudou bastante para que a gente conseguisse tirar esse som", afirma o ex-titã.

AMOR E FAMÍLIA - O coração exposto na bela capa do CD, assinada pelo artista plástico Alexandre Sesper Cruz, traduz em imagem a entrega de Nando. O compositor reverencia a amada em faixas como "Hi, Dri!", canção empolgante com acento do rock dos anos 1960, que abre o disco recheada de guitarras e pontuada pela bateria precisa de Diogo Gameiro. A musa também é homenageada na faixa-título e em "Driamante".
Na lírica "Pra Você Guardei o Amor", o ruivo divide o microfone com a cantora Ana Cañas, representante da recente safra de intérpretes. "Não tem nada mais bonito e encantador que fazer um dueto com uma mulher, ainda mais ela. Acho que ficou lindo."
Ao esmiuçar fraquezas e inseguranças, Nando aborda a perda da mãe (em "Conta") e dedica mais uma canção para os filhos. Depois de ter escrito "O Mundo é Bão, Sebastião!" (para Sebastião) e "Espatódea" (dedicada a Zoé), ele passa a limpo a relação com a filha famosa, a VJ da MTV, Sophia, na singela "Só pra So". "Sofria vendo eu me destruir, sem conseguir me parar. Sofri vendo você pedir as coisas que eu não pude dar", diz um dos trechos da letra.
"É uma música que fala de atritos e de um pai que, às vezes, se comportou como um adolescente", explica o cantor. Aos 46 anos, ele fala abertamente sobre os estragos provocados pelas drogas e o álcool nos âmbitos profissional e afetivo. Por conta disso, tenta manter diálogo franco com os filhos sobre esses assuntos.
"Têm coisas que você não vai falar com seu pai, mas quero que eles saibam que podem contar comigo, sempre."

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Gil à vontade

Compositor de álbuns fundamentais na história da MPB, como Expresso 2222 e Refazenda, o cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil revela que não gosta dos discos que gravou em estúdios. Em tom humilde e autocrítico, diz que as gravações resultaram em material aquém do esperado.
Ele faz ressalvas apenas em relação aos CDs produzidos ao vivo, que imprimem a espontaneidade e a adrenalina exigidas pelos holofotes e os gritos do público. "No estúdio, você canta para um ouvinte abstrato e, quando o disco acaba, fica sempre aquela sensação de que aquilo não foi feito de verdade. Nos shows, você está fazendo algo real, mesmo que seja ruim, e está cantando para alguém que se deslocou de sua casa e pagou para lhe ouvir."
A autêntica e prazerosa interação com a plateia, que não será gravada, repete-se amanhã, às 20h, no Espaço de Eventos do Sesc Santo André. O músico apresenta, pela primeira vez no Grande ABC, o repertório do CD Banda Larga Cordel, lançado em 2008, e os fãs, ávidos pelo reencontro com o mestre tropicalista, esgotaram os 2.400 ingressos.
No set list, canções da nova safra como Não Tenho Medo da Morte e A Faca e o Queijo além de pepitas criadas em cerca de 40 anos de carreira, casos de Se Eu Quiser Falar com Deus e Tempo Rei.

INTERNET - Durante a apresentação, os espectadores são estimulados a registrar a performance com câmeras digitais e aparelhos celulares, e podem enviar imagens para exibição no hotsite do show (www.bandalargacordel.com.br). Quem assiste ao espetáculo também recebe fitas do Senhor do Bonfim com códigos que permitem o download gratuito de duas canções do disco e ringtone.
Apesar do interesse por temas tecnológicos, o autor de Pela Internet não sabe fazer downloads e conta com a ajuda da mulher e empresária Flora para resolver questões práticas do universo virtual. "Acesso diariamente a internet e praticamente deixei de ler jornais impressos. Mas tenho dificuldade e há muitas coisas que não sei fazer, como buscar aplicativos e arquivos. Sempre preciso ser auxiliado por alguém", confessa o músico, com o característico sotaque baiano, realçado pela voz suave e pausada.

FAMÍLIA - Próximo dos 67 anos (comemora aniversário em 26 de junho), Gil gosta de ficar perto da família e prefere a simplicidade no âmbito pessoal. "Não tenho grandes ambições nem desejos. Minha vida é simples como a de um homem entrando na velhice. Me dá prazer estar perto de casa, junto com filhos, netos, minha mulher e amigos."
O ícone preserva o jeito sereno, representado de maneira caricata por seus imitadores, até quando fala sobre os episódios polêmicos protagonizados pela filha Preta Gil. Cantora e atriz, ela já admitiu ter transado com mulheres, participado de orgias e iniciou a carreira no mercado fonográfico com o disco Prêt-à Porter (2003), em que aparecia seminua na capa.
"Não vi nenhum problema moral, mas não gostei esteticamente e disse isso a ela. A Preta poderia ter escolhido outro tipo de capa que a mim parecesse mais bonita e interessante."
Mas pondera que "uma das responsabilidades dos pais é zelar pela autonomia e pela liberdade dos filhos". No palco, o cantor tem a colaboração do filho Bem, que toca guitarra.

MACONHA - Favorável à legalização da maconha, Gil considera um retrocesso as recentes proibições das marchas pela liberação da droga. "Proibir passeatas, sejam quais forem, é absurdo. As argumentações a favor da liberação são cada vez mais apoiadas. Então, é uma atitude que fica na contramão das coisas que estão rolando", afirma o artista, que foi preso por porte de cannabis sativa em 1976, durante a turnê do grupo Doces Bárbaros.
Na ocasião, estava hospedado em hotel em Florianópolis, junto com Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa, que também participavam do conjunto. O episódio foi registrado no filme de Jom Tob Azulay, já disponível em DVD e com título homônimo à banda dos cantores baianos.

BEN JOR E TROPICÁLIA - Perguntado sobre a canção alheia que gostaria de ter escrito, Gil reafirma o fascínio pela obra de Jorge Ben Jor, com quem gravou disco antológico nos anos 1970. "São muitas, de vários autores. Mas eu gostaria de ser Jorge Ben Jor, sou louco por ele e queria ter feito todas as músicas que ele fez."
Outro artista que continua sendo uma referência forte para o compositor é o "amigo e irmão" Caetano, parceiro desde os tempos da Tropicália - que reuniu as contradições da música brasileira, ao flertar com as guitarras elétricas e a cultura regional.
"O tropicalismo chamou a atenção para a necessidade da rebeldia e do rompimento com as amarras, mas tampara nossa herança. Trabalhamos muito isso não só na música, mas no teatro, com Zé Celso Martinez Corrêa, e no cinema, com Glauber Rocha. Deixamos para as décadas posteriores um legado de experimentalismo", resume.
Iniciado em 1967, o movimento começou a esmorecer no fim do ano seguinte, com o Ato Institucional Número 5, quando Gil e Caetano foram presos pela ditadura militar e mandados para o exílio em Londres.
"O afastamento no tempo faz com que a gente se livre das memórias mais dolorosas. O que ficou para mim foi o que consegui trazer para minha vida naquele período: experiências novas, a compreensão do rock, e o fato de ter conhecido os Estados Unidos e partes importantes da Europa e da África. Sou agradecido por essas oportunidades que a vida me deu de ampliação do repertório."

MINISTÉRIO - Após cinco anos à frente do Ministério da Cultura, Gil pediu demissão do cargo em julho de 2008 e foi substituído pelo então secretário-executivo da Pasta, Juca Ferreira. O cantor faz balanço positivo de sua gestão, que, segundo ele, deu mais visibilidade ao setor cultural no País e no Exterior e, entre outras iniciativas, empreendeu a criação do fundo de financiamento às produções audiovisuais.
Gil menciona ainda como realização de seu mandato o início da discussão sobre a reforma da Lei Rouanet proposta pelo governo federal - que prevê o aumento da taxa de isenção fiscal para empresas interessadas em patrocinar projetos artísticos.
O músico não economiza elogios em relação à atuação de Juca, "seu braço direito", e reconhece que o atual ministro tem mais habilidade que ele para lidar com questões políticas.