sexta-feira, 27 de março de 2009

A DIVINA COMÉDIA DOS MUTANTES (Ou Coisas que fazem essa vidinha besta valer a pena)

Entrevista publicada em janeiro de 2007

Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
Após quase três décadas inativos, os Mutantes promovem quinta-feira, no Parque da Independência, em São Paulo, um retorno triunfal aos palcos brasileiros, como atração principal das comemorações do 453º aniversário da cidade. O Diário visitou a casa do guitarrista Sérgio Dias na semana passada. É o quartel-general onde o grupo acerta os detalhes para o concerto.Na sala de estar da confortável casa, situada em um condomínio de luxo, na Granja Viana, em São Paulo, Sérgio, a cantora Zélia Duncan, Arnaldo Baptista e o baterista Dinho Leme receberam a reportagem para um descontraído bate-papo retratado pelo ilustrador Seri.

DIÁRIO: Quais surpresas vocês preparam para o show?
ARNALDO BAPTISTA: Trouxe o contrabaixo e talvez eu toque uma música com ele. Ainda nem sei qual. Na minha carreira solo, eu toco baixo em todos os discos, mas, nos Mutantes, toco teclado.
DINHO LEME: Antigamente, ele gravava os baixos.
SÉRGIO DIAS: A Zélia vai tocar bateria, o Dinho vai tocar guitarra e eu vou ser roadie (risos).D
IÁRIO: Pode ocorrer uma jam session com o Tom Zé?
SÉRGIO: Eu espero que sim.
ZÉLIA DUNCAN: Agora, queremos curtir um pouco o lançamento, mostrar o show que nós não mostramos.
SÉRGIO: Não dá para a gente fazer um show por mês. A gente trabalhou muito para fazê-lo. ZÉLIA: A surpresa é todo mundo ver a gente tocando (risos).

DIÁRIO: Vocês já trabalharam em alguma composição nova?
SÉRGIO: Tudo preguiçoso (aponta sorrindo para os demais).
ZÉLIA: Esse ano a gente tem que curtir esse disco. Tem uma agenda bacana sendo apresentada, com vários shows: Brasília, Goiânia, Curitiba, Rio, Salvador, Porto Alegre, e, depois, Canadá e Suíça.
SÉRGIO: Vamos tocar no Glastonbury (renomado festival inglês) e três dias na Irlanda.
ZÉLIA: Foi um enorme trabalho. Agora que as coisas se encaixaram, a gente quer curtir o palco. Não temos que ficar desesperados com as músicas inéditas. É uma coisa normal, vai rolar. ARNALDO: Estou compondo uma letra que se chama Os Campos Energéticos.

DIÁRIO: Sobre o que trataria um disco dos Mutantes hoje?
SÉRGIO: A gente ainda não sabe.
ARNALDO: Vou tentar levar para um lado científico.
SÉRGIO: Eu também (risos).
ZÉLIA: Já eu não. Está bom, né? (risos).

DIÁRIO: O fato de ter substituído a Rita Lee e ter sido alvo de comparações ainda é algo que pesa para você?
ZÉLIA: Isso já está resolvido na cabeça de todo mundo. Quem não está resolvido é porque não vai resolver nunca e também não interessa pra gente.
SÉRGIO: Não vamos querer dar pano para manga nessa história, porque isso já é passado. O que tinha que acontecer, já aconteceu.

DIÁRIO: Rita Lee tem um timbre mais agudo que o da Zélia. Vocês tiveram que fazer alguma adaptação nos arranjos?
ZÉLIA: Na verdade, quem dá a palavra final sobre os tons sou eu (risos).
SÉRGIO: Quem manda na banda é a Zélia (risos). Eu sabia que era possível, não ia jogar a Zélia numa fogueira.
DIÁRIO: Zélia, como está sua carreira solo?
ZÉLIA:Vai muito bem, obrigada. Estou em turnê, trabalhando muito, acabei de chegar de Salvador, gravei um DVD da turnê do Pré-Pós Tudo Bossa Band, que vai ser lançado depois do Carnaval. Minha prioridade são os Mutantes, mas minha carreira está aí.
SÉRGIO: A gente tem um médico que fica atrás dela para saber se está tudo direitinho. Essa mulher é uma loucura.

DIÁRIO: Sérgio, como está sua relação com o Arnaldo hoje?
SÉRGIO: Hoje em dia, posso admirar e contemplar o que ele fez em mim. Isso é genial. Lembro de uma vez, ainda moleque, e, como todo moleque, vagabundo, só queria saber de guitarra. Tinha que carregar a Kombi depois de um show. E eu tava lá me arrastando, fingindo que estava carregando uma caixa Leslie. O Arnaldo chegou e disse: ‘É assim, ó!’ (faz o movimento de alguém empurrando uma caixa com força). Outra vez, falou: ‘Você tem que aprender a ser mais humilde’.
ARNALDO: Eu não lembrava disso.
ZÉLIA: Tem coisas que são só para quem ouviu lembrar. Quem falou esquece (risos).
SÉRGIO: O Arnaldo é um furacão.
ARNALDO: Furacão é injeção de veterinário (risos). Está sendo maravilhoso. Antigamente, eu tinha muitas idéias, e, agora, parece que tudo entrou num foco, numa grande angular.

DIÁRIO: Como a gente pode explicar para um leigo a importância da sua famosa guitarra Régulus? Há uma réplica dela?
SÉRGIO: Tem essa aqui que nunca foi terminada (aponta para uma guitarra pendurada na parede). O timbre dela é tão característico, a inclinação de cordas dela é altíssima e o tamanho da escala é todo diferente. Ela tem um som que é só dela.

DIÁRIO: Sérgio, mesmo antes de o grupo voltar, você sempre falou em entrevistas sobre a banda como algo muito presente. Em algum momento se sentiu chateado com informações equivocadas que foram publicadas na imprensa?
SÉRGIO: Sim, muitas vezes. Vi declarações de pessoas que eu revidei. Mutantes é motivo de orgulho para mim e sempre foi. É a substância da qual eu sou feito.

Retrato em Tye-die (A Serra do Mar é a fronteira do Japão)

Quando eu era criança, acreditava que o Japão ficava atrás da Serra do Mar. É claro que não tinha esse raciocínio naquela época, mas, olhando em retrospecto, consigo entender a geografia delirante da minha infância.
Cresci em Cubatão e, no bairro onde eu morava, essa cadeia montanhosa era o ponto mais distante que a vista poderia alcançar. Logo, fazia todo sentido dizer que, se o mundo terminava ali, o solo nipônico ficava exatamente do outro lado.
Já acreditei que qualquer um podia escrever em japonês, bastava caprichar nos traços. Para mim, era certo (como dois e dois são cinco) que as pessoas nasciam com um nome que, assim como a personalidade do indivíduo, era alterado com o passar dos anos.
Na minha cabeça, cada um seria uma espécie de Pokémon, que mudaria a cada fase evolutiva. Esse outro devaneio também não deixa de ter certo sentido ("A única certeza da vida é a mudança")
A lista das minhas sandices infantis é extensa (os mais ferinos podem até comentar que ela explica muita coisa...). Durante um tempo, pensei que, no passado, todos viviam em preto-e-branco. Tinha absoluta convicção de que era possível ultrapassar a idade dos meus amigos e me tornar mais velho, com um pouquinho de esforço.
Houve época em que eu poderia ter apostado com qualquer um que o Elton John, o John Lennon, a Olivia Newton-John e o John Travolta eram primos.
Não conta pra ninguém, mas, em algum lugar, distraído como só ele consegue ser, acho que esse menino ainda existe.

terça-feira, 24 de março de 2009

Aquela canção do Roberto

Se você pretende saber onde estive na última segunda-feira (23/03), eu posso lhe dizer, caro leitor: na coletiva d' el rey Roberto Carlos, realizada no Itaú Cultural, em São Paulo. Sua Majestade celebra 50 anos de atividade artística e reuniu a imprensa para anunciar uma turnê que passará por 20 cidades brasileiras e terá uma etapa internacional a partir de 2010. O primeiro show será realizado em 19 de abril (data do 68º aniversário do cantor), em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, terra natal do ídolo.Confesso que fiquei surpreso com a postura tranquila e bem-humorada de Roberto, que até fez piadas com a própria imagem. "Como dizem os meus imitadores, são tantas emoções, bicho. De vez em quando, eu imito meus imitadores", disse o monarca em dado momento do bate-papo com os jornalistas, antes de pontuar a frase com seu inconfundível sorriso.
Também admito que estava um pouquinho nervoso ao fazer a pergunta ("Vc escuta suas gravações antigas e costuma fazer autocríticas?) por duas razões: 1ª - não é todo dia que vc fica diante de um mito desse tipo. 2ª Como todos sabem, RC é homem de muitas peculiaridades. Eu, distraidíssimo como sempre, estava vestido com uma camiseta 'marrom (justamente a cor que 'Robertão' detesta, em função de seu Transtorno Obssessivo-Compulsivo).
Só fui me dar conta disso já no Auditório, minutos antes da coletiva. "Putz, vou ter de levantar da cadeira e fazer a pergunta. E se o cara responder com má vontade por causa do marrom... E se ele, engraçadinho do jeito que está, fizer alguma brincadeirinha com a cor da camiseta?".... F...deu!!!
Graças a Jeeeesus Cristo, Jeeeeesus Cristo, Jeeesus Cristo eu estava ali, bem na frente do Rei que, com a humildade de um plebeu, respondeu: "Sempre escuto e faço críticas às coisas que gravei. Tem canções da época da Jovem Guarda que não gravaria (não citou quais)."
"Ufa....", pensei... O pior já passou. Depois, achei que tinha me preocupado à toa, afinal, o carpete do teatro e as paredes eram marrons. Logo, um rei teria poderes suficientes para, ao se sentir incomodado, mandar pintar aquilo tudo da cor que quisesse.

PS: A matéria foi capa do Diário, mas, por falta de espaço no caderno (tinha um anúncio gigantesco na capa), acabou resumidinha... Então, excepcionalmente, vou postar aqui o texto completo que eu, apressadamente, mandei para a redação, desesperado com o horário do fechamento da edição..

Abração a todos!

Festa Real

Dojival Filho

Jovial e irreverente, Roberto Carlos celebra os 50 anos de seu reinado artístico com uma extensa agenda de shows comemorativos, além de uma exposição na Oca, em São Paulo, que promete ser a maior já promovida no País.
A turnê, que inclui 20 cidades brasileiras e prevê uma etapa internacional em 2010, começa em 19 de abril (data do 68º aniversário do artista), em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, terra natal do cantor. Em maio, será a vez de a plateia paulista conferir o espetáculo Elas Cantam Roberto Carlos, tributo que contará com as participações de 14 cantoras da MPB, no Theatro Municipal. O show aportará no Maracanã em julho, para um público estimado em 60 mil pessoas. No Ginásio do Ibirapuera, em agosto, expoentes do rock brasileiro subirão ao palco para o show Roberto Carlos Rock Symphony.
O set list e as participações especiais de ‘amigos de fé e irmãos camaradas’ ainda não foram definidos, mas os arranjos e a direção musical ficarão a cargo do maestro Eduardo Lages, fiel escudeiro do ‘Rei’. "Vai ser uma emoção muito grande cantar em Cachoeiro. Terei de me segurar para não chorar a cada cinco minutos", afirmou Roberto, durante coletiva de imprensa concedida ontem à tarde na sede do Itaú Cultural, na Capital. Também estiveram presentes o empresário do ícone da Jovem Guarda, Dody Sirena, e o vice-presidente do Itaú, empresa que patrocina as comemorações, Antônio Matias.
Durante a turnê, Roberto, romântico como sempre, distribuirá um total de 3.456 botões de rosas vermelhas (12 dúzias a cada show) e 864 rosas brancas (três dúzias a cada noite). Três carretas transportarão cerca de 70 toneladas de equipamentos de som, luz, palco e camarim. São números superlativos até mesmo para um músico que já vendeu 100 milhões de discos e é o único na história a ter lançado um álbum por ano em 48 anos.

BOM HUMOR
Vestido com terno e calça brancos e uma indefectível camisa azul (sua cor predileta),
Roberto esbanjou simpatia e até fez piadas com a própria imagem. "Como dizem os meus imitadores: ‘São muitas emoções’. De vez em quando, eu imito meus imitadores", revelou o ídolo, antes de repetir seu característico sorriso e encerrar uma resposta sobre a concepção dos shows.
Nem quando foi perguntado sobre o interesse sexual que desperta na octagenária apresentadora Hebe Camargo ele perdeu o rebolado. "A Hebe é realmente uma gracinha, uma pessoa única".
Questionado sobre a avaliação que fazia a respeito do material gravado no começo na década de 1960, demonstrou sinceridade. "Às vezes, ouço coisas que gravei e acho engraçado, faço críticas. Tem algumas que não faria mais", disse o ícone, sem mencionar quais eram as canções. Ele cogitou incluir novamente em seu repertório um de seus primeiros hits, Quero que Vá Tudo pro Inferno, que deixou de apresentar em função do TOC (Transtorno Obssessivo-Compulsivo). "Eu ainda não me dei alta, mas pode ser que um dia volte a cantar essa música", ressaltou o cantor, que deve lançar um disco de inéditas ainda neste ano", frisou Roberto.

EXPOSIÇÃO E TURNÊ
Em janeiro de 2010, a Oca, no Parque Ibirapuera, sediará a Expo RC 50 Anos, que terá curadoria de Marcello Dantas, responsável em 2008 pela bem-sucedida mostra Bossa na Oca. A exposição reunirá imagens, discos e itens da memorabilia de Roberto Carlos, entre eles o famoso calhambeque, que inspirou a música homônima e recentemente foi reformado pelo ex-piloto Emerson Fittipaldi.. O evento contará com site interativowww.rc50anos.com.br, em que poderão ser acessadas informações a respeito do projeto.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Reativando a Fábrica

Após um tempinho de inatividade, reativei o Fábrica Líricas, blog em que divulgo reportagens minhas publicadas na imprensa, composições e qualquer outra coisa que der na telha. Resolvi começar postando uma matéria recente sobre a experiência de ter participado como figurante do filme Lula ­– O Filho do Brasil.
Em breve, alimentarei o blog com lançamentos musicais, entrevistas inéditas e informações sobre a minha banda Fábrica Lira.

Saudações a todos!

Figurante na história de Lula

Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC

Trabalhar na figuração de um longa-metragem é certamente um teste de dedicação, resistência física, paciência e capacidade de adaptação. No caso do filme "Lula - O Filho do Brasil", produção dirigida por Fábio Barreto em que atuei como figurante, também pode render saborosas histórias de bastidores, vivenciadas por pessoas que, apesar das diferentes trajetórias e faixas etárias, compartilharam uma experiência humana enriquecedora, marcada por sorrisos, camaradagem e uma dose de estresse.
No dia 28, estive no Estádio 1º de Maio, na Vila Euclides, em São Bernardo, para participar da encenação de um dos momentos políticos mais importantes do País: as assembleias dos metalúrgicos do Grande ABC, realizadas no fim dos anos 1970, sob a liderança do então presidente do sindicato Luiz Inácio da Silva, o Lula. As filmagens começaram por volta das 8h, com uma chuva que acompanhou os trabalhos, mas não conseguiu esfriar os ânimos de ninguém, mesmo após nove horas de gravações.
Ao término do serviço, quando passei pela assistente de produção, Júlia Barreto, descobri que, aos 28 anos, posso ser considerado um sujeito antiquado em termos de moda.
"Passa lá no figurino para devolver a sua roupa", disse Júlia. "Não precisa. Essa roupa é minha mesmo", respondi, com indisfarçável constrangimento.

MUSA E MITO - Loira e dona de belos olhos verdes, a assistente de direção Cláudia Castro, responsável por coordenar a movimentação dos cerca de 300 figurantes, tornou-se rapidamente a musa dos ‘grevistas''. Havia não mais que dez mulheres entre os homens. Gritos de "linda" e "gostosa" eram pronunciados com frequência por meus companheiros.
O carregado sotaque carioca da moça, tão enérgica quanto competente, também motivou brincadeiras. "Espalha, gente, espalha", berrava ela quando queria posicionar os figurantes, que imitavam o carioquês e adotaram a frase como um bordão. As broncas de Claudinha (apelido dado pela multidão masculina) no estagiário de direção, que se atrapalhava com as ordens da chefe, renderam boas risadas.
O ator Rui Ricardo Diaz, que interpreta Lula, foi recebido com tal euforia e reverência que era como se os presentes estivessem em maio de 1979 e pudessem apreciar aquela figura mitológica. Mas, quando pulava e gesticulava bastante para o aquecimento antes de uma cena, um figurante provocou gargalhadas nos presentes. "Deu a louca nele. Tô achando que esse Lula nosso tá muito louco", gritou.
Nota para os curiosos: o dedo mindinho, que falta no presidente, é camuflado em Ricardo com uma fita cor de pele.

VOADORA - No dia 29, vesti o figurino e filmamos do lado de fora do estádio a cena do confronto entre policiais militares e grevistas. Orientados por Lula a não aceitar provocações, os trabalhadores foram surpreendidos com bombas de gás lacrimogêneo e cacetetes.
Apesar da mensagem pacífica do líder - e das insistentes recomendações da equipe técnica para que não misturassem ficção e realidade -, um figurante acertou uma ‘voadora'' no rosto e machucou um ator vestido de policial.
Em uma cena, houve manifestantes que substituíram as pedras cenográficas por verdadeiras no combate ao inimigo. Ninguém saiu gravemente ferido, mas o episódio me fez pensar no absurdo de um período não muito distante em que cidadãos eram presos, torturados e assassinados por discordarem da ordem vigente.