sexta-feira, 20 de março de 2009

Figurante na história de Lula

Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC

Trabalhar na figuração de um longa-metragem é certamente um teste de dedicação, resistência física, paciência e capacidade de adaptação. No caso do filme "Lula - O Filho do Brasil", produção dirigida por Fábio Barreto em que atuei como figurante, também pode render saborosas histórias de bastidores, vivenciadas por pessoas que, apesar das diferentes trajetórias e faixas etárias, compartilharam uma experiência humana enriquecedora, marcada por sorrisos, camaradagem e uma dose de estresse.
No dia 28, estive no Estádio 1º de Maio, na Vila Euclides, em São Bernardo, para participar da encenação de um dos momentos políticos mais importantes do País: as assembleias dos metalúrgicos do Grande ABC, realizadas no fim dos anos 1970, sob a liderança do então presidente do sindicato Luiz Inácio da Silva, o Lula. As filmagens começaram por volta das 8h, com uma chuva que acompanhou os trabalhos, mas não conseguiu esfriar os ânimos de ninguém, mesmo após nove horas de gravações.
Ao término do serviço, quando passei pela assistente de produção, Júlia Barreto, descobri que, aos 28 anos, posso ser considerado um sujeito antiquado em termos de moda.
"Passa lá no figurino para devolver a sua roupa", disse Júlia. "Não precisa. Essa roupa é minha mesmo", respondi, com indisfarçável constrangimento.

MUSA E MITO - Loira e dona de belos olhos verdes, a assistente de direção Cláudia Castro, responsável por coordenar a movimentação dos cerca de 300 figurantes, tornou-se rapidamente a musa dos ‘grevistas''. Havia não mais que dez mulheres entre os homens. Gritos de "linda" e "gostosa" eram pronunciados com frequência por meus companheiros.
O carregado sotaque carioca da moça, tão enérgica quanto competente, também motivou brincadeiras. "Espalha, gente, espalha", berrava ela quando queria posicionar os figurantes, que imitavam o carioquês e adotaram a frase como um bordão. As broncas de Claudinha (apelido dado pela multidão masculina) no estagiário de direção, que se atrapalhava com as ordens da chefe, renderam boas risadas.
O ator Rui Ricardo Diaz, que interpreta Lula, foi recebido com tal euforia e reverência que era como se os presentes estivessem em maio de 1979 e pudessem apreciar aquela figura mitológica. Mas, quando pulava e gesticulava bastante para o aquecimento antes de uma cena, um figurante provocou gargalhadas nos presentes. "Deu a louca nele. Tô achando que esse Lula nosso tá muito louco", gritou.
Nota para os curiosos: o dedo mindinho, que falta no presidente, é camuflado em Ricardo com uma fita cor de pele.

VOADORA - No dia 29, vesti o figurino e filmamos do lado de fora do estádio a cena do confronto entre policiais militares e grevistas. Orientados por Lula a não aceitar provocações, os trabalhadores foram surpreendidos com bombas de gás lacrimogêneo e cacetetes.
Apesar da mensagem pacífica do líder - e das insistentes recomendações da equipe técnica para que não misturassem ficção e realidade -, um figurante acertou uma ‘voadora'' no rosto e machucou um ator vestido de policial.
Em uma cena, houve manifestantes que substituíram as pedras cenográficas por verdadeiras no combate ao inimigo. Ninguém saiu gravemente ferido, mas o episódio me fez pensar no absurdo de um período não muito distante em que cidadãos eram presos, torturados e assassinados por discordarem da ordem vigente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário