segunda-feira, 11 de maio de 2009

Gil à vontade

Compositor de álbuns fundamentais na história da MPB, como Expresso 2222 e Refazenda, o cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil revela que não gosta dos discos que gravou em estúdios. Em tom humilde e autocrítico, diz que as gravações resultaram em material aquém do esperado.
Ele faz ressalvas apenas em relação aos CDs produzidos ao vivo, que imprimem a espontaneidade e a adrenalina exigidas pelos holofotes e os gritos do público. "No estúdio, você canta para um ouvinte abstrato e, quando o disco acaba, fica sempre aquela sensação de que aquilo não foi feito de verdade. Nos shows, você está fazendo algo real, mesmo que seja ruim, e está cantando para alguém que se deslocou de sua casa e pagou para lhe ouvir."
A autêntica e prazerosa interação com a plateia, que não será gravada, repete-se amanhã, às 20h, no Espaço de Eventos do Sesc Santo André. O músico apresenta, pela primeira vez no Grande ABC, o repertório do CD Banda Larga Cordel, lançado em 2008, e os fãs, ávidos pelo reencontro com o mestre tropicalista, esgotaram os 2.400 ingressos.
No set list, canções da nova safra como Não Tenho Medo da Morte e A Faca e o Queijo além de pepitas criadas em cerca de 40 anos de carreira, casos de Se Eu Quiser Falar com Deus e Tempo Rei.

INTERNET - Durante a apresentação, os espectadores são estimulados a registrar a performance com câmeras digitais e aparelhos celulares, e podem enviar imagens para exibição no hotsite do show (www.bandalargacordel.com.br). Quem assiste ao espetáculo também recebe fitas do Senhor do Bonfim com códigos que permitem o download gratuito de duas canções do disco e ringtone.
Apesar do interesse por temas tecnológicos, o autor de Pela Internet não sabe fazer downloads e conta com a ajuda da mulher e empresária Flora para resolver questões práticas do universo virtual. "Acesso diariamente a internet e praticamente deixei de ler jornais impressos. Mas tenho dificuldade e há muitas coisas que não sei fazer, como buscar aplicativos e arquivos. Sempre preciso ser auxiliado por alguém", confessa o músico, com o característico sotaque baiano, realçado pela voz suave e pausada.

FAMÍLIA - Próximo dos 67 anos (comemora aniversário em 26 de junho), Gil gosta de ficar perto da família e prefere a simplicidade no âmbito pessoal. "Não tenho grandes ambições nem desejos. Minha vida é simples como a de um homem entrando na velhice. Me dá prazer estar perto de casa, junto com filhos, netos, minha mulher e amigos."
O ícone preserva o jeito sereno, representado de maneira caricata por seus imitadores, até quando fala sobre os episódios polêmicos protagonizados pela filha Preta Gil. Cantora e atriz, ela já admitiu ter transado com mulheres, participado de orgias e iniciou a carreira no mercado fonográfico com o disco Prêt-à Porter (2003), em que aparecia seminua na capa.
"Não vi nenhum problema moral, mas não gostei esteticamente e disse isso a ela. A Preta poderia ter escolhido outro tipo de capa que a mim parecesse mais bonita e interessante."
Mas pondera que "uma das responsabilidades dos pais é zelar pela autonomia e pela liberdade dos filhos". No palco, o cantor tem a colaboração do filho Bem, que toca guitarra.

MACONHA - Favorável à legalização da maconha, Gil considera um retrocesso as recentes proibições das marchas pela liberação da droga. "Proibir passeatas, sejam quais forem, é absurdo. As argumentações a favor da liberação são cada vez mais apoiadas. Então, é uma atitude que fica na contramão das coisas que estão rolando", afirma o artista, que foi preso por porte de cannabis sativa em 1976, durante a turnê do grupo Doces Bárbaros.
Na ocasião, estava hospedado em hotel em Florianópolis, junto com Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa, que também participavam do conjunto. O episódio foi registrado no filme de Jom Tob Azulay, já disponível em DVD e com título homônimo à banda dos cantores baianos.

BEN JOR E TROPICÁLIA - Perguntado sobre a canção alheia que gostaria de ter escrito, Gil reafirma o fascínio pela obra de Jorge Ben Jor, com quem gravou disco antológico nos anos 1970. "São muitas, de vários autores. Mas eu gostaria de ser Jorge Ben Jor, sou louco por ele e queria ter feito todas as músicas que ele fez."
Outro artista que continua sendo uma referência forte para o compositor é o "amigo e irmão" Caetano, parceiro desde os tempos da Tropicália - que reuniu as contradições da música brasileira, ao flertar com as guitarras elétricas e a cultura regional.
"O tropicalismo chamou a atenção para a necessidade da rebeldia e do rompimento com as amarras, mas tampara nossa herança. Trabalhamos muito isso não só na música, mas no teatro, com Zé Celso Martinez Corrêa, e no cinema, com Glauber Rocha. Deixamos para as décadas posteriores um legado de experimentalismo", resume.
Iniciado em 1967, o movimento começou a esmorecer no fim do ano seguinte, com o Ato Institucional Número 5, quando Gil e Caetano foram presos pela ditadura militar e mandados para o exílio em Londres.
"O afastamento no tempo faz com que a gente se livre das memórias mais dolorosas. O que ficou para mim foi o que consegui trazer para minha vida naquele período: experiências novas, a compreensão do rock, e o fato de ter conhecido os Estados Unidos e partes importantes da Europa e da África. Sou agradecido por essas oportunidades que a vida me deu de ampliação do repertório."

MINISTÉRIO - Após cinco anos à frente do Ministério da Cultura, Gil pediu demissão do cargo em julho de 2008 e foi substituído pelo então secretário-executivo da Pasta, Juca Ferreira. O cantor faz balanço positivo de sua gestão, que, segundo ele, deu mais visibilidade ao setor cultural no País e no Exterior e, entre outras iniciativas, empreendeu a criação do fundo de financiamento às produções audiovisuais.
Gil menciona ainda como realização de seu mandato o início da discussão sobre a reforma da Lei Rouanet proposta pelo governo federal - que prevê o aumento da taxa de isenção fiscal para empresas interessadas em patrocinar projetos artísticos.
O músico não economiza elogios em relação à atuação de Juca, "seu braço direito", e reconhece que o atual ministro tem mais habilidade que ele para lidar com questões políticas.

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